O REGRESSO D' "A GRANDE SERPENTE"...


Celebramos quase 30 anos de uma das maiores ousadias culturais realizadas na cidade de Guimarães, a criação da ODIT, uma oficina teatral que envolveu toda a comunidade, com umas inesperadas mais de trezentas pessoas inscritas num breve período de 15/20 dias.

Não se tem memória de um número tão elevado de inscrições para um projeto teatral, produzindo, então, algo de inusitado que determinou o rumo das artes e da cultura em Guimarães.

É inegável que o desafio da ODIT em 1994 foi mote para a transformação de uma geração de jovens vimaranenses que passaram a vivenciar a arte, o teatro e a cultura na linha de frente da sua ação pública e edificação pessoal, participando em propostas artísticas de vanguarda, com encenações onde todos foram protagonistas, com programas inéditos de teatro, artes plásticas e outros, como a "Semana da Dança".

Foi na ODIT onde pela primeira vez se ousou pensar em Guimarães como Capital de Cultura, com intercâmbios internacionais com companhias de teatro, pesquisadores, dramaturgos, artistas plásticos...

A Arte é vida que se transforma em humanidade, gente que sonha outras vontades e coragens onde se criam as mudanças. A Arte é o coração pulsante de uma sociedade que não se deixa acomodar nem encabrestar.

A história bem que se pode contar assim: No ano de 1993, o então vereador da cultura da Câmara de Guimarães, Francisco Teixeira, um jovem com visões inquietas, oferece todo suporte político necessário para a implantação de um projeto idealizado pelo  encenador Moncho Rodriguez. Meses depois o encenador propõe a execução de uma Oficina de Dramaturgia e Investigação Teatral (ODIT) em Guimarães, com a participação de jovens e todos aqueles que estivessem interessados numa experiência de transformação social pela arte. Em 1994 o projeto foi posto em marcha e instalado no palácio de Vila Flor, com a participação de mais de 300 inscritos, em diferentes horários, em todas as variantes e experiências de formação que conduziram à montagem do 1º espetáculo de teatro comunitário em Guimarães: "A GRANDE SERPENTE".

A antiga Fábrica de Couros, cenário então em ruínas, foi o espaço proposto pelo vereador da cultura de então e escolhido pelo encenador para dar vida ao espetáculo de celebração que envolveria espectadores e atores cidadãos, numa onda de energia imparável. A ODIT deu início ao Teatro Oficina, apresentou projetos de formação para jovens atores, bailarinos, cantores, que ainda hoje são integrantes profissionais no panorama nacional das artes cénicas.

A ODIT, Teatro Oficina, durante mais de 8 anos realizou parcerias com projetos na Espanha e no Brasil, sempre oferecendo oportunidades de formação aos jovens vimaranenses. Contribuiu para uma memória e imaginário artístico de elevado nível na pesquisa e na produção. O imaginário teatral de Guimarães esteve bastante ligado ao teatro e encenações de Moncho Rodriguez, espetáculos como "AS VELHAS", "CERIMÓNIAS", "OPERA DO LIXO", ficaram gravados na memória de muitos vimaranenses, assim como "A GRANDE SERPENTE", que foi o ponto de referência para que a cidade se afirmasse como lugar de arte e cultura contemporânea em Portugal.

Passados quase 30 anos, muitas águas moveram o moinho, a semente plantada não deixou de crescer e guiar a vida artística de muitos daqueles jovens... Vitor Pontes, Cristina Cunha, João Melo, Luiz Gonzaga, Joana Antunes, António Lopes, Alberta Lemos, António Leites, Sérgio Martins, Eduardo Silva, Carlos Rêgo, Ana Moreira, Sofia Escobar, Francisco Leite, Marta Carvalho, José Paredes, Luís Almeida, .... todos de alguma forma cúmplices de um primeiro momento revolucionário que mudou a cidade e a sua vocação para participar de forma ativa no contemporâneo.

https://issuu.com/guicul/docs/revista_3_quadr
https://issuu.com/guicul/docs/revista_3_quadr

Aquilo que nos faz voltar à Serpente é o acreditar que o desafio ainda está bem vivo. O processo de formação e montagem de "A GRANDE SERPENTE" merece e deve ser reapresentado de forma experimental pois continua válido nas suas propostas essenciais. Trata-se de uma metodologia estimulante para o despertar de criatividades, impulsos de criação e arte, riscos e ousadias que são necessárias para despertar o que parece estar oculto em processos politicamente corretos, com gestos anestesiados... esse "teatrinho dos certinhos" viciados em agradar sem mais nada para propor.

Acreditamos que "A GRANDE SERPENTE" pode dar "couro" e mudar de "couro", para revelar novos tempos e atores que façam os espectadores vibrar e viver na arte por mais 30 anos de vanguarda.

Guimarães precisa urgentemente renovar a sua capacidade criativa propondo outras vanguardas. Novos Couros são sempre precisos para que possamos renovar a vida.

Voltamos em 2022 a realizar a aventura, vamos propor a 2ª montagem do espetáculo "A GRANDE SERPENTE" em Guimarães, no mesmo cenário onde há 28 anos foi realizado. Não será um revisitar da memória, antes há de ser um reinventar da história para que possamos continuar a propor o renascer das inquietações.

A Arte que se acomoda vira serpente que não muda de couro e perde a seiva da vida.

A Arte acorda sempre antes que o artista, é preciso alcançá-la para vestir suas cores... mas, muitos preferem adormecer no confortinho pequenino cobertos de "likes" e pendurados no wi-fi. É claro que estamos a desafiar aqueles que fizeram parte desta aventura, vamos propor que venham descobrir novas sensações, desafios. Um novo teatro. Também convocamos as novas gentes, outros criadores, aqueles que acreditam que existe um teatro que ainda não foi celebrado. A Arte é para o mundo que acorda lá fora com cara de ressaca de futuro, quem vive para viver, não tem tempo para pentear os cabelos.

Por último: A celebração! O importante é reconhecer aquilo que construímos e que transformou a todos. Voltar a experimentar, nem que seja como mote para uma enorme celebração. Refletir sobre o agora e para onde devemos e queremos ir. Só assim poderemos comprovar que do céu, gratuitamente, só chove areia ou água, o resto acontece porque nos dispomos a fazê-lo. Quem sabe faz agora, não espera acontecer.

Contada a história, fica o chamamento.

Moncho Rodriguez



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